20 de abr. de 2015

Sobre as manifestações populares de 2015 em Brasil.


Por estes dias de manifestações e declaratórias, por parte dos mais diversos estratos da sociedade, algumas especificamente tem me incomodado bastante, com outras estou de acordo, claro. Todos devem ter preferencias e rechaço por algum discurso, os á de todo tipo, do mais radical da esquerda, ao mais conservador da direita, no meio uma terra de ninguém, pasto para todo tipo de gado, cada um que escolha seu rebanho.
O rebanho que me deixa furioso e um grupo que tem ganhado visibilidade em meio as ultimas manifestações populares, são aqueles que pedem a volta da ditadura militar. Eles têm ganhado espaço na mídia e as redes sociais tem mostrado todo tipo de mensagens, até em inglês e pedindo intervenção dos Marines. O que passa nessas cabeças?
Eu, que tive que andar me esquivando do chicote das ditaduras latino-americanas, (sou da geração para os que o futuro dava 3 opções: “encerro, desterro o enterro”); me causa um profundo repudio este tipo sentimento, não o justifico, ainda que o entenda. Entendo que em todos os países da região tenham pessoas com saudade dos uniformizados, pero salvo os pinochetistas chilenos, poucos se atrevem a expressar suas preferencias em publico e a viva voz. Porque em Brasil sentem-se tão a vontade para reivindicar a ditadura? Porque políticos que representam essas filosofias ganham tanto destaque na mídia? A resposta é clara: sentem algum respaldo, tem uma parcela da sociedade que os aclama e protege.
Para um estrangeiro pode parecer estranho tanta audácia, porque se permite este tipo de comportamento? Em outros países da região seriam repudiados ferozmente, mais a sociedade brasileira não tem, passadas algumas décadas, as contas claras com seu passado recente.
A vida foi generosa comigo me permitindo ser testemunha de momentos históricos de nossos países, caminhei para o exilio em 1981, vindo muito jovem, primeiro para o Brasil, logo perambulei por vários países.
Quando chega o ano 1983 eu estava em Argentina, vivi a euforia da volta a Democracia, com a eleição de Alfonsin ganhando do peronista Luder a presidência. A festa desbordante do povo na rua, os bares da Avenida Corrientes fecharam muito tarde na noite do 30 de 0utubro de 1983.  
No ano seguinte viajei de carona de Buenos Aires até Montevideo, tinha chegado a vez de Uruguai ser redemocratizado, durante vários dia dormi num comitê de base junto a muitos uruguaios que chegaram de todas as partes do mundo, a noite saiamos para colar cartazes e pintar muros, quase sempre terminávamos brigando com os “pachequistas” (partidários de Pacheco Areco, ex-presidente da extrema direita), fui o primeiro a votar (tinha passado a noite na porta do local de votação), e quando chegou a noite daquele domingo 25 de novembro de 1984 toda a população estava expectante, lotando a principal avenida da capital, esperando os resultados. O Partido Colorado ganhou a presidência com Sanguinetti, e a sirene do jornal “El Dia” (hoje o prédio alberga um cassino) anunciava o triunfo conservador. Com as primeiras luzes do dia eu caminhava novamente com minha mochila, partindo decepcionado para outro exilio voluntario desta vez novamente Brasil.
Foi assim que vivi os dias loucos das “Direitas já” o movimento que envolveu a toda a sociedade brasileira que buscava a democratização, lembro-me de ter participado no Vale de Anhangabaú (centro de São Paulo) de uma manifestação multitudinária, com artistas e políticos engajados, todos pedindo o fim da uma ditadura militar que ainda sendo mais leve que nos países vizinhos, sufocava e oprimia principalmente a os jovens, os artistas e todo o universo cultural.
O que deveria ser uma transição inesquecível e festiva se tornou um pesadelo. Em Brasil não ouve eleição popular, ela aconteceu dentro do Parlamento (eleição indireta), ainda assim o povo comemorou a indicação de Tancredo Neves que ganhou do oficialista Paulo Maluf. A nova fase do pesadelo: Tancredo fica doente, e durante semanas o povo acompanha em tempo real a agonia, até a morte do que seria o primeiro presidente civil pôs ditadura. A tragédia ainda não estava completa. A maior inflação da historia acompanhava o fim de um desprestigiado regime militar, que salvou muitos de seus privilégios porque nunca tinha sido derrotado na guerra (a diferença do argentino que perdeu nas Malvinas).
 O golpe final chegou com a assunção do vice: José Sarney. A partir de esse momento o poder politico toma de assalto o Brasil, os grupos, famílias e carteis começam a desmanchar e dividir  o Estado, ali começam muitas das operações de corrupção que ate hoje proliferam, o mais emblemático da época foi o toma lá da cá, que viabilizou a reeleições de Sarney.
Assim sem eleições diretas, vivendo a agonia de Tancredo e as decepções com Sarney, a redemocratização não trousse muitas alegrias ao povo brasileiro, a diferencia de seus vizinhos que tem muito claro o antes e depois, os brasileiros quase não se lembram dessa época, a tradição oral não a festeja e os mais novos pouco sabem ao respeito.

Tal vez seja esta uma justificativa de porque em Brasil tem pessoas que defendem a volta da ditadura militar e porque nunca foram castigados os que cometeram terrorismo de estado (sequestro, tortura e mortes).

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