Por estes
dias de manifestações e declaratórias, por parte dos mais diversos estratos da
sociedade, algumas especificamente tem me incomodado bastante, com outras estou
de acordo, claro. Todos devem ter preferencias e rechaço por algum discurso, os
á de todo tipo, do mais radical da esquerda, ao mais conservador da direita, no
meio uma terra de ninguém, pasto para todo tipo de gado, cada um que escolha
seu rebanho.
O rebanho
que me deixa furioso e um grupo que tem ganhado visibilidade em meio as ultimas
manifestações populares, são aqueles que pedem a volta da ditadura militar. Eles
têm ganhado espaço na mídia e as redes sociais tem mostrado todo tipo de
mensagens, até em inglês e pedindo intervenção dos Marines. O que passa nessas
cabeças?
Eu, que tive
que andar me esquivando do chicote das ditaduras latino-americanas, (sou da
geração para os que o futuro dava 3 opções: “encerro, desterro o enterro”); me
causa um profundo repudio este tipo sentimento, não o justifico, ainda que o
entenda. Entendo que em todos os países da região tenham pessoas com saudade
dos uniformizados, pero salvo os pinochetistas chilenos, poucos se atrevem a
expressar suas preferencias em publico e a viva voz. Porque em Brasil sentem-se
tão a vontade para reivindicar a ditadura? Porque políticos que representam essas
filosofias ganham tanto destaque na mídia? A resposta é clara: sentem algum
respaldo, tem uma parcela da sociedade que os aclama e protege.
Para um
estrangeiro pode parecer estranho tanta audácia, porque se permite este tipo de
comportamento? Em outros países da região seriam repudiados ferozmente, mais a
sociedade brasileira não tem, passadas algumas décadas, as contas claras com
seu passado recente.
A vida foi
generosa comigo me permitindo ser testemunha de momentos históricos de nossos países,
caminhei para o exilio em 1981, vindo muito jovem, primeiro para o Brasil, logo
perambulei por vários países.
Quando chega
o ano 1983 eu estava em Argentina, vivi a euforia da volta a Democracia, com a
eleição de Alfonsin ganhando do peronista Luder a presidência. A festa
desbordante do povo na rua, os bares da Avenida Corrientes fecharam muito tarde
na noite do 30 de 0utubro de 1983.
No ano
seguinte viajei de carona de Buenos Aires até Montevideo, tinha chegado a vez
de Uruguai ser redemocratizado, durante vários dia dormi num comitê de base
junto a muitos uruguaios que chegaram de todas as partes do mundo, a noite saiamos
para colar cartazes e pintar muros, quase sempre terminávamos brigando com os “pachequistas”
(partidários de Pacheco Areco, ex-presidente da extrema direita), fui o
primeiro a votar (tinha passado a noite na porta do local de votação), e quando
chegou a noite daquele domingo 25 de novembro de 1984 toda a população estava
expectante, lotando a principal avenida da capital, esperando os resultados. O
Partido Colorado ganhou a presidência com Sanguinetti, e a sirene do jornal “El
Dia” (hoje o prédio alberga um cassino) anunciava o triunfo conservador. Com as
primeiras luzes do dia eu caminhava novamente com minha mochila, partindo
decepcionado para outro exilio voluntario desta vez novamente Brasil.
Foi assim
que vivi os dias loucos das “Direitas já” o movimento que envolveu a toda a sociedade
brasileira que buscava a democratização, lembro-me de ter participado no Vale
de Anhangabaú (centro de São Paulo) de uma manifestação multitudinária, com
artistas e políticos engajados, todos pedindo o fim da uma ditadura militar que
ainda sendo mais leve que nos países vizinhos, sufocava e oprimia principalmente
a os jovens, os artistas e todo o universo cultural.
O que
deveria ser uma transição inesquecível e festiva se tornou um pesadelo. Em Brasil
não ouve eleição popular, ela aconteceu dentro do Parlamento (eleição indireta),
ainda assim o povo comemorou a indicação de Tancredo Neves que ganhou do
oficialista Paulo Maluf. A nova fase do pesadelo: Tancredo fica doente, e
durante semanas o povo acompanha em tempo real a agonia, até a morte do que
seria o primeiro presidente civil pôs ditadura. A tragédia ainda não estava
completa. A maior inflação da historia acompanhava o fim de um desprestigiado regime
militar, que salvou muitos de seus privilégios porque nunca tinha sido
derrotado na guerra (a diferença do argentino que perdeu nas Malvinas).
O golpe final chegou com a assunção do vice:
José Sarney. A partir de esse momento o poder politico toma de assalto o Brasil,
os grupos, famílias e carteis começam a desmanchar e dividir o Estado, ali começam muitas das operações de
corrupção que ate hoje proliferam, o mais emblemático da época foi o toma lá da
cá, que viabilizou a reeleições de Sarney.
Assim sem
eleições diretas, vivendo a agonia de Tancredo e as decepções com Sarney, a
redemocratização não trousse muitas alegrias ao povo brasileiro, a diferencia
de seus vizinhos que tem muito claro o antes e depois, os brasileiros quase não
se lembram dessa época, a tradição oral não a festeja e os mais novos pouco
sabem ao respeito.
Tal vez seja
esta uma justificativa de porque em Brasil tem pessoas que defendem a volta da
ditadura militar e porque nunca foram castigados os que cometeram terrorismo de
estado (sequestro, tortura e mortes).